Pesquisas antigas sem um padrão metodológico adequado contribuíram para os estigmas acerca do vegetarianismo, principalmente na infância, que é alvo de críticas baseadas em preconceitos e achismos sobre inadequações nutricionais.
Entretanto, atualmente a ciência e diversas instituições como a Associação Dietética Americana (ADA), a Academia Americana de Pediatria (AAP) e a Sociedade Canadense de Pediatria (SCP), reconhecem que dietas vegetarianas, se bem planejadas, são saudáveis, nutricionalmente adequadas, e oferecem segurança no desenvolvimento e prevenção de doenças em todas faixas etárias, incluindo infância e adolescência.
Crianças que consomem uma dieta baseada em alimentos vegetais, integrais e naturais apresentam um perfil de adipocinas anti-inflamatórias interessante, e têm menor risco de desenvolvimento de obesidade, além de serem menos expostas a antibióticos veterinários encontrados em alimentos de origem animal.
A escolha alimentar da família ou da própria criança em não comer carne e/ou outros alimentos de origem animal (leite e derivados, ovos, etc) pode gerar questões na fase escolar. Quando a instituição não oferta alimentação vegetariana, a criança acaba sendo excluída das refeições devido a sua escolha alimentar ou sendo obrigada a comer alimentos indesejados, o que pode gerar prejuízos sociais, nutricionais e psicológicos.
No contexto de escolas públicas no território brasileiro, a Portaria interministerial 1.010 de 2006 define a promoção da alimentação saudável nas escolas, com ênfase na educação alimentar e nutricional, no incentivo ao consumo de frutas, legumes e verduras e na restrição ao comércio e à promoção comercial no ambiente escolar de alimentos e preparações com altos teores de gordura saturada, gordura trans, açúcar livre e sal. A alimentação vegetariana, se bem planejada, se adequa a todos esses critérios, em especial oferecendo menos gordura saturada e trans do que dietas onívoras, por exemplo.
Alguns municípios, como Florianópolis/SC, garantem por lei (Lei 9.848/2015) a inclusão de uma opção vegetariana até mesmo estrita (sem qualquer tipo de produto de origem animal) na alimentação escolar caso seja solicitado pela família.
O Projeto de Lei (218/2021), criado pelo deputado Fabiano da Luz, diz respeito às escolas de educação básica da rede pública estadual de Santa Catarina e tem por objetivo garantir a alimentação escolar vegetariana sem necessidade de atestado médico, visto que esse documento ainda é exigido por várias instituições e faz com que o vegetarianismo pareça uma espécie de doença que precise ser atestada, e não uma escolha consciente que traz benefícios para sociedade, saúde humana, planetária e animal.
A nível nacional, em 2019 foi publicada a Nota Técnica n.8 que busca assegurar a opção vegetariana para as crianças adeptas a esse estilo de vida: “Estudantes que estão inseridos em hábitos alimentares vegetarianos, por opção pessoal ou familiar ou outras condições especiais, têm assegurado, no âmbito do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), o fornecimento de alimento adequado à sua opção/condição”.
Se mesmo após a apresentação da Nota Técnica diretores e coordenadores escolares recusarem a oferta individualizada da merenda vegetariana para crianças contempladas por esse estilo alimentar, é recomendado que os responsáveis busquem assistência jurídica, baseados não somente na Nota Técnica do PNAE como também no Direito Humano à Alimentação Adequada, constitucionalmente consagrado no artigo 6º da Constituição Federal de 1988, e que é violado nesses casos, configurando mais uma ameaça a soberania alimentar nacional. É importante ressaltar a obrigatoriedade do Estado brasileiro de respeitar, proteger, promover e prover alimentação a pessoas vegetarianas e veganas, independente da motivação que as levaram a essa escolha.
O artigo 12 da Lei 11.947/2009 declara que os cardápios das escolas devem ser elaborados por profissional da nutrição, com alimentos básicos que respeitem questões de hábito, cultura e tradição local, pautados na sustentabilidade e promoção de uma alimentação segura e adequada. O mesmo artigo destaca a necessidade de atenção especial ao cardápio dos indivíduos que possuem recomendações específicas médicas e nutricionais, como dever do Estado brasileiro o atendimento desses casos.
Um dos objetivos/diretrizes do PNAE é o emprego de alimentos que respeitem a cultura, as tradições e os hábitos alimentares saudáveis, contribuindo para o crescimento e desenvolvimento dos alunos. Desse modo, quando a alimentação vegetariana é negada às crianças e/ou famílias que optaram por esse estilo alimentar, além dos objetivos do PNAE não serem cumpridos, isso compromete o crescimento e rendimento escolar, gerando portanto consequências graves da negligência da escola na alimentação das crianças vegetarianas.
A campanha Segunda Sem Carne (SSC) é uma iniciativa que teve início na alimentação escolar da cidade de São Paulo em 2011, atualmente atua em mais de 100 cidades e é um movimento em expansão. Para auxiliar o planejamento de refeições sem produtos de origem animal, a SVB - Sociedade Vegetariana Brasileira - lançou um livro com 102 receitas práticas e saborosas, que podem ser acessadas no site da mesma.
No contexto da alimentação escolar na rede privada de ensino, é importante levar em consideração se a escola é adepta ao vegetarianismo ou se está disposta a adaptar o cardápio para contemplar a alimentação da criança vegetariana.
Caso a escola não ofereça lanches, é interessante que os pais incluam a criança na montagem da lancheira, que preferencialmente deve conter alimentos ricos em energia (aveia, pão integral, bolo simples, etc), proteína vegetal (tofu, homus, snack de grão de bico, etc), incluindo frutas e/ou verduras e preferindo sucos de frutas naturais ao invés de sucos e leites vegetais processados e com adição de açúcar.
Importante ressaltar que a dieta vegetariana estrita (vegana) contém todos os nutrientes necessários para o desenvolvimento adequado, com exceção da vitamina B12, que deve ser acompanhada por profissional da saúde e suplementada caso necessário. O mesmo deve ser feito com onívoros, que também apresentam essa deficiência com frequência.
Com o aumento da população vegetariana, é imprescindível que profissionais de saúde e da educação respeitem e saibam se adequar às necessidades alimentares desse público. É necessário que o Estado incentive políticas públicas que contemplem a alimentação da população vegetariana em todas as idades, articulando diversos equipamentos públicos como restaurantes populares, restaurantes universitários, cozinhas comunitárias, hospitais públicos, escolas e creches. É essencial também dialogar com a população acerca da importância, segurança e benefícios da merenda vegetariana não somente para a saúde infantil, como para a sustentabilidade ambiental e a saúde planetária.
Nutricionista Valkiria Assis
CRN-3 71936/P
Referências:
Baroni, Luciana et al. “Vegan Nutrition for Mothers and Children: Practical Tools for Healthcare Providers.” Nutrients vol. 11,1 5. 20 Dec. 2018, doi:10.3390/nu11010005
SBP. Vegetarianismo na infância e adolescência. 2017. Departamento Científico de Nutrologia.
SVB. Parecer Jurídico elaborado pelo Projeto REAJA a pedido da Sociedade Vegetariana Brasileira. 2017. https://svb.org.br/images/Documentos/Parecer-1.pdf
SVB. Alimentação Vegetariana para crianças e adolescentes: Guia alimentar para a família. 2020. https://svb.org.br/images/SVB-guia-infantil_2020-web.pdf
SVB. Implementando a alimentação escolar vegetariana. 2013. https://www.svb.org.br/livros/implantando-merenda-vegetariana.pdf
SVB. Merenda Vegetariana. https://materiais.svb.org.br/merenda-vegetariana
Vegan Business. PL busca garantir acesso à alimentação vegana e vegetariana nas escolas.
O que dizer de uma escola que cobra uma taxa mensal de 300 reais por ser vegetariano? Absurdo na minha opinião.
Olá, por gentileza onde eu encontro essa PL? Se alguém puder me auxiliar fico grata!