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Danos neurológicos do consumo de ultraprocessados ao longo da vida

Atualizado: 28 de mar. de 2022



Bebidas e alimentos ultraprocessados são aqueles que geralmente têm baixo teor de nutrientes, mas alta densidade energética, com elevada quantidade de açúcares adicionados, gorduras saturadas e trans. Tais produtos levam ao desenvolvimento de doenças crônicas não transmissíveis (obesidade, síndrome metabólica, diabetes, hipertensão entre outras), além do potencial impacto neurodegenerativo desde o início da vida na gestação e lactação de um bebê ao desenvolvimento da Doença de Alzheimer em idade mais avançada.


O aumento no consumo de ultraprocessados está associado a uma série de efeitos adversos à saúde, como comer em excesso, aumento de processos de estresse inflamatório e oxidativo, disbiose intestinal e disfunção metabólica, incluindo problemas na regulação da glicose, que pode levar ao desenvolvimento de diabetes. A obesidade pode induzir modificações no cérebro em desenvolvimento de crianças e adolescentes, com consequências negativas em longo prazo.


Estudos associaram transtornos do neurodesenvolvimento (transtorno do espectro do autismo, transtorno de déficit de atenção e hiperatividade e esquizofrenia) nos filhos, à dieta materna não saudável durante a gestação. Dietas ricas em gordura saturada têm consequências deletérias no desenvolvimento do cérebro, incluindo diminuição do tamanho do hipocampo. Estudos em animais indicam que o aumento no consumo de gordura trans durante a gestação ou lactação aumenta os riscos de desenvolvimento de comportamento ansioso na prole na vida adulta.


Na última década, a associação entre dieta e função cognitiva ou demência tem sido amplamente investigada pela ciência. O declínio na função cognitiva é resultado da interação complexa de múltiplos fatores. Em primeiro lugar, a idade, mas também os determinantes demográficos, educacionais, genéticos, socioeconômicos e ambientais, incluindo a nutrição são importantes para prevenção e tratamento desse tipo de patologia.


A ciência aponta que o risco de deficiências neurocognitivas e desenvolvimento de doenças é menor em populações com padrões alimentares saudáveis nutricionalmente, aqueles estruturados no consumo de alimentos à base de plantas, probióticos, antioxidantes, soja, nozes e ácidos graxos poliinsaturados ômega-3, assim como na baixa ingestão de gorduras saturadas, proteínas de origem animal e açúcares.


Apesar dos mecanismos pelos quais o desenvolvimento dessas comorbidades relacionadas ao consumo de ultraprocessados não serem totalmente elucidados, estudos indicam que, quando consumidas, gorduras saturadas interagem com a microbiota intestinal com potencial de aumentar a quantidade de lipopolissacarídeos - parede celular de bactérias gram-negativas circulantes, que assim como os ácidos graxos saturados, podem atravessar a barreira hemato encefálica levando a ativação das células de defesa do sistema nervoso central (micróglias), gerando neuroinflamação, morte celular de neurônios envolvidos no controle do peso corporal, nas percepções de fome e saciedade, na pressão arterial e no metabolismo da glicose.


A hiperativação das micróglias é capaz de exacerbar vários distúrbios neurodegenerativos, incluindo a doença de Parkinson (DP) e Doença de Alzheimer (DA).


Evidências atuais apontam um risco aumentado de aparecimento e progressão de doenças neurodegenerativas em pessoas com Diabetes Mellitus tipo 2 (DM2), pré-diabetes e Síndrome Metabólica. Há características comuns entre as condições, incluindo controle glicêmico prejudicado (hiperglicemia e resistência à insulina), perfil lipídico anormal e adiposidade visceral, o que leva alguns autores a se referirem a essa neurodegeneração como “Diabetes tipo 3”.


O aumento da adiposidade gera efeitos prejudiciais ao cérebro, levando ao comprometimento cognitivo que afeta os domínios da atenção, humor, função executiva, tomada de decisão e fluência verbal.


A importância da alta ingestão de fibras na dieta, encontrada em grãos integrais, leguminosas, frutas e verduras, está bem estabelecida como um fator chave na saúde cardiometabólica e gastrointestinal benéfica, que se relaciona com a saúde cerebral através do eixo intestino-cérebro.


A alta exposição a ultraprocessados por meio de diferentes canais, incluindo marketing e crescimento de pântanos alimentares, pode contribuir para a ativação automática das regiões do cérebro associadas ao consumo e escolha de alimentos.


Padrões alimentares baseados em uma alimentação natural e vegetal têm mais impacto do que nutrientes específicos, nenhum alimento isoladamente pode prevenir a demência ou outras doenças, sendo essencial a associação de outros fatores do estilo de vida como atividade física, qualidade do sono e socialização, entre os determinantes não dietéticos.


Dado o cenário atual de aumento do consumo de ultraprocessados assim como dos níveis de sobrepeso, obesidade e desnutrição, além das evidências que pessoas que foram hospitalizadas por COVID-19 são mais propensas a apresentar deficiências cognitivas, é urgente que estratégias sejam sugeridas para preservação das funções cognitivas, assim como neurodesenvolvimento seguro na gestação, infância e adolescência.


Pesquisas indicam os malefícios do consumo de ultraprocessados(especialmente os ricos em gorduras saturadas e trans) para a saúde da população.Portanto, políticas públicas que priorizem abordagens nutricionais que geramacesso e informação sobre alimentos in natura e minimamente processadosprecisam ser incentivadas urgentemente, a fim de assegurar oneurodesenvolvimento de crianças e adolescentes com menor exposição acomponentes danosos à saúde cerebral, assim como prevenir ou retardar o declíniocognitivo, a obesidade e as comorbidades relacionadas.


Nutricionista Valkiria Assis

CRN-3 71936/P


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