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Sistemas alimentares e erradicação da fome

Atualizado: 28 de mar. de 2022



Um dos maiores desafios da ONU, criada na década de 1940, era garantir o direito de alimentação e nutrição adequada a todos. Entretanto, após mais de 70 anos, a Declaração Universal dos Direitos Humanos ainda é violada e estimativas registram que 811 milhões de pessoas enfrentaram a fome em 2020.


Uma das estratégias para erradicar a fome e a pobreza da população mundial, foi a criação da Agenda 2030 pelos Estados membros da ONU em 2015, que é composta por 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). A alimentação e a nutrição perpassam todos esses objetivos, em especial o ODS 02, que foca em acabar com a fome, atingir a segurança alimentar e nutricional, e promover a agricultura sustentável.


Os sistemas alimentares têm impacto direto sobre a segurança alimentar e nutricional das populações, dizem respeito aos elementos (ambientes, pessoas, insumos, processos, instituições, infraestruturas, etc) e ações acerca da produção, transformação, distribuição e consumo de alimentos, que geram efeitos na saúde das populações e impactos socioeconômicos e ambientais. A pandemia global de desnutrição, obesidade e mudanças climáticas evidencia como os sistemas alimentares atuais são insustentáveis.


A produção de alimentos repercute em uma série de consequências danosas ao meio ambiente, a remoção de árvores e animais de seu habitat natural em vista do desenvolvimento da agricultura e indústrias aumenta o risco de doenças. A pandemia da Covid-19 deixou claro que doenças zoonóticas são transmitidas de animais para humanos e são um sério risco para a saúde.


O sistema alimentar promovido pelo agronegócio se baseia na monocultura de commodities (trigo, milho, cana de açúcar e soja são os principais) e produtos de exportação, lógica do lucro máximo, concentração da propriedade da terra, com foco no uso de sementes transgênicas, fertilizantes químicos, agrotóxicos, desmatamento, expulsão de povos indígenas de suas terras, entre outras múltiplas expressões de violência.


Os monocultivos são uma ameaça aos biomas Amazônia e Cerrado, por exemplo, que são ricos em sociobiodiversidade e vitais para os equilíbrios hídrico e climático.


Em paralelo, a principal fonte de emissão de gases de efeito estufa no Brasil é a agropecuária, responsável por mais de 70% das emissões em 2017. Sendo o número de cabeças de gado bovino maior que a população brasileira.


Bolachas recheadas, salgadinhos, snacks e refrigerantes são exemplos de produtos ultraprocessados que são gerados nesse sistema alimentar. As principais características desses alimentos são uma longa lista de ingredientes que contém corantes, sabores artificiais, texturizantes, adoçantes e outros aditivos de baixo custo, pobres em nutrientes, ricos em açúcares, gorduras trans e sódio.


Além disso, a industrialização da criação de animais e seus derivados para consumo humano, é cercada de práticas desumanas como uso intensivo de antibióticos, alimentação transgênica aos animais, disrupção endócrina, entre outras crueldades, de um sofrimento que não precisa existir.


Diversas pesquisas indicam que níveis aumentados de dióxido de carbono na atmosfera estão reduzindo os níveis de nutrientes em alimentos, além disso a produção de alimentos pode ser prejudicada pela redução de polinizadores naturais, pois os métodos agrícolas dependentes de agrotóxicos ameaçam extinguir esses seres.


Educação e mudança de comportamento individuais são insuficientes para a acessibilidade a uma dieta saudável, pois mesmo alimentos essenciais mais baratos não são alcançáveis para a população de baixa renda.


Em contraste aos problemas mantidos e intensificados pelo agronegócio, a agroecologia estimula a produção e o consumo local, valorizando os saberes dos agricultores e povos tradicionais, sendo contra os latifúndios, concentração de terras, uso de agrotóxicos e sementes transgênicas.


A agricultura familiar é agroecológica e composta majoritariamente por camponeses, agricultores familiares, povos indígenas e tradicionais de matriz africana, que traduzem dinâmicas sociais, econômicas, políticas e culturais das diversas regiões brasileiras. A segurança alimentar e nutricional no Brasil percorre os sentidos de valorizar essa diversidade, pois os sistemas produtivos dos povos e comunidades tradicionais estão ligados a uma base produtiva sustentável e diversificada.


Fortalecer a agricultura familiar resulta em uma interferência positiva no sistema alimentar predominante, que é gerador de impactos socioambientais que resultam em desmatamentos e comprometimento da biodiversidade.


Sistemas Alimentares que se baseiam nos princípios da agroecologia são essenciais para enfrentamento da crise alimentar e ambiental vigente. Porém essa transição requer mudanças profundas nos âmbitos políticos e econômicos do Brasil, e do planeta como um todo, tais como: proteção de terras indígenas; incentivo a agricultura familiar; políticas de geração de empregos; renda básica e aposentadoria dignas; garantia universal de acesso a água para consumo e produção; garantia de acesso universal a políticas públicas de saúde, educação, saneamento básico e inclusão digital, entre outras.


É comum que no fim da cadeia produtiva, consumidores não estejam cientes do caminho que o alimento percorre até chegar à sua mesa e quais as consequências das escolhas alimentares para a saúde humana e planetária.


Resgatar o conceito de que a comida é um patrimônio, a importância de conhecer a origem do alimento, a variedade de espécies, e a cultura alimentar, é também valorizar o papel histórico dos povos indígenas, comunidades tradicionais e da agricultura familiar, que produzem alimentos protegendo a biodiversidade.


O aumento do consumo de alimentos ultraprocessados está intimamente ligado ao crescimento nos índices de adoecimento populacional, e os grupos mais pobres e vulneráveis são os que mais sofrem com esses impactos, sistemas alimentares baseados no agronegócio contribuem para essa situação e comemoram ganhos econômicos às custas do avanço da insegurança alimentar e nutricional.


Debates acerca da produção e consumo de alimentos não devem ser discutidos de forma isolada como uma escolha individual, mas sim como parte de um sistema complexo. A fome é causada por profundas desigualdades sociais ao longo da história da humanidade, para combatê-la é necessário que os interesses dos sistemas alimentares não sejam o lucro e sim benefícios à sociedade e ao meio ambiente.

Nutricionista Valkiria Assis

CRN-3 71936/P


Referências:


BURIGO, À.C.; PORTO, M.F. Agenda 2030, saúde e sistemas alimentares em tempos de sindemia: da vulnerabilização à transformação necessária https://doi.org/10.1590/1413-812320212610.13482021

CFN. Sistemas alimentares e nutrição: a experiência brasileira para enfrentar todas as formas de má nutrição. 2017. https://www.cfn.org.br/wp-content/uploads/2017/09/oms.pdf


FASE. Dossiê Sistemas Alimentares: fome, corporações e alternativas. https://www.fase.org.br/hotsite/dossie-sistemas-alimentares-fome-corporacoes-e-alternativas/


IDEC. A sindemia global da obesidade, desnutrição e mudanças climáticas.


IDEC. Saiba o que são os alimentos transgênicos e quais os seus riscos https://idec.org.br/consultas/dicas-e-direitos/saiba-o-que-sao-os-alimentos-transgenicos-e-quais-os-seus-riscos


IPEA. Fome Zero e Agricultura Sustentável. https://www.ipea.gov.br/ods/ods2.html


MACHADO, A.D. et al. O papel do Sistema Único de Saúde no combate à sindemia global e no desenvolvimento de sistemas alimentares sustentáveis. https://doi.org/10.1590/1413-812320212610.11702021


THE LANCET. Food in the Anthropocene: the EAT–Lancet Commission on healthy diets from sustainable food systems https://www.thelancet.com/commissions/EAT


UNEP. Sistemas Alimentares são a chave para acabar com a fome no mundo. 2021. https://portal.fgv.br/artigos/inseguranca-alimentar-e-fome-brasil-tempos-covid-19-reflexao


UNICEF. Relatório da ONU: ano pandêmico marcado por aumento da fome no mundo.


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