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Foto do escritorValkiria Assis

Insegurança alimentar e pandemia de Covid-19 no Brasil

Atualizado: 28 de mar. de 2022



Em março de 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) anunciou que a disseminação do novo Coronavírus (SARS-CoV-2) iniciava uma pandemia. Os impactos sociais, econômicos e sanitários foram globais devido a rápida transmissão do vírus, gerando efeitos na Segurança Alimentar e Nutricional (SAN) da população.


No mesmo ano, relatório de Segurança Alimentar e Nutricional Mundial da Organização das Nações Unidas (ONU) aponta que mais de 2,3 bilhões de pessoas (30% da população global) não tiveram acesso à alimentação adequada, sendo que mais da metade de todas as pessoas subalimentadas (418 milhões) vivem na Ásia; mais de um terço (282 milhões) na África; e uma proporção menor (60 milhões) na América Latina e no Caribe.


Crianças são as mais afetadas, em 2020 cerca de 149 milhões de menores de cinco anos sofriam de atraso de crescimento ou eram muito baixos para sua idade; mais de 45 milhões debilitadas ou muito magras para sua altura; e quase 39 milhões acima do peso. Três bilhões de adultos e crianças permaneceram excluídos de dietas saudáveis, em grande parte por inacessibilidade devido ao custo.


Para brasileiros as desigualdades entre diferentes realidades sociais ficaram ainda mais explícitas e agravadas. Condições precárias de saneamento e habitação, insegurança hídrica, prevalência de doenças crônicas, são exemplos de direitos violados no país, dentre eles o Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA), assim a concretização da segurança alimentar e nutricional se destaca como essencial na garantia de igualdade.


A segurança alimentar e nutricional é entendida como o direito de todos a se alimentar de forma regular e permanente com alimentos de qualidade e em quantidade suficiente, tendo como base práticas alimentares que promovam saúde, respeitem a diversidade cultural e sejam ambiental, cultural, econômica e socialmente sustentáveis.


Portanto, a insegurança alimentar (IA) é o não acesso permanente a uma alimentação segura e adequada. Além da falta do consumo de alimentos que atendam às necessidades nutricionais recomendadas para cada fase do desenvolvimento humano, ocorre também a substituição de alimentos ricos em nutrientes e vitaminas, por alimentos mais baratos e ultraprocessados, que são prejudiciais à saúde.


A fome é uma das mais cruéis consequências das injustiças sociais, atingindo historicamente os mais marginalizados da sociedade. Entre 2004 e 2013 houve uma redução dos índices de insegurança alimentar no Brasil, resultado da estratégia Fome Zero aliada a políticas públicas de combate à pobreza e à miséria. Em 2015, houve novamente o aumento da insegurança alimentar entre brasileiros, devido a crises econômicas e políticas, chegando a 36,7% em 2018. Tal quadro, já crescente, foi agravado no contexto pandêmico a partir de 2020.


O Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil, realizado pela Rede PENSSAN, aponta que em 2020 mais da metade da população brasileira (55,2% - 116,8 milhões de pessoas) conviviam com a fome (19 milhões de pessoas) ou algum grau de insegurança alimentar.


Em paralelo, o fornecimento irregular ou falta de água potável atingiu cerca de 40% dos domicílios localizados no Nordeste e Norte do país. A insegurança hídrica caminha junto com à insegurança alimentar, dito que a proporção de domicílios rurais com habitantes em situação de fome dobra quando não há disponibilidade adequada de água para a produção de alimentos.


Todas as regiões do Brasil sofreram com os impactos negativos nas condições de renda e trabalho. Norte e Nordeste apresentaram os índices mais altos de desemprego, redução da renda familiar e corte de itens considerados essenciais.


A área rural apresentou maior prevalência de insegurança alimentar moderada ou grave nas regiões Norte e Nordeste, ao contrário das regiões Sul/Sudeste e Centro-Oeste onde a maior proporção desses quadros estava localizada na área urbana.


Casos graves de insegurança alimentar foram mais prevalentes em famílias que a principal responsável pela renda era do sexo feminino, ou de raça/cor da pele autodeclarada preta/parda ou com menor escolaridade, ou com todas as características juntas ou algumas delas combinadas, o que desvela o cerne da desigualdade brasileira.


Famílias que solicitaram e receberam auxílio emergencial conviveram com IA moderada ou grave em proporção três vezes superior à média nacional observada, o que reforça que o valor era insuficiente para suprir necessidades básicas.


O cenário atual aponta um retrocesso onde a Insegurança Alimentar e a fome no Brasil retornaram aos patamares próximos aos de 2004. O país foi epicentro mundial da pandemia Covid-19. Atraso na vacinação, colapso do sistema de saúde e redução do auxílio emergencial que já se mostrava insuficiente, denunciam um cenário de mais fome e desespero sem data pra acabar, com efeitos que provavelmente irão perdurar por tempo indeterminado após o fim da pandemia.


Todos os níveis de insegurança alimentar causam impactos negativos na saúde gerando por exemplo: anemia, desnutrição, perda de energia e memória, desenvolvimento e agravamento de doenças, entre outras complicações, podendo fatalmente levar à morte.


São necessárias, além de medidas emergenciais em momentos de crise como a atual pandemia de Covid-19, investimento em políticas públicas de médio e longo prazo que garantam o direito constitucional à alimentação. O combate à fome deve ser associado a transformações dos sistemas alimentares reduzindo os impactos sobre as mudanças climáticas, aumentando o cuidado com a saúde das pessoas e construindo relações sociais justas e equitativas. Enquanto não houver uma resposta adequada dos governos, a experiência cruel da fome irá perdurar e aumentar no Brasil e no mundo.


Nutricionista Valkiria Assis

CRN-3 71936/P


Referências:


ALPINO, T.M.A et al. COVID-19 e (in)segurança alimentar e nutricional: ações do Governo Federal brasileiro na pandemia frente aos desmontes orçamentários e institucionais. 2020. https://www.scielosp.org/article/csp/2020.v36n8/e00161320/


CFN. Relatório da ONU revela que a pandemia contribui para o agravamento da fome. 2021.


FAO. Insegurança Alimentar e Covid-19 no Brasil. 2021.


FIOCRUZ. Insegurança alimentar e Covid-19 no Brasil. 2021.


LEI DE SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL.2006.


OPAS. SOFI 2021: Relatório da ONU destaca os impactos da pandemia no aumento da fome no mundo. 2021.


SANTOS, L. P. et al. Tendências e desigualdades na insegurança alimentar durante a pandemia de COVID-19: resultados de quatro inquéritos epidemiológicos seriados. 2021.


SMITH, A. Por que preço global de alimentos hoje é um dos mais altos da História moderna. 2021. https://www.bbc.com/portuguese/geral-58735892


UFMG 2021. Insegurança alimentar cresce no país e aumenta vulnerabilidade à Covid-19


UFPA. Relatório aponta que 52,2% dos brasileiros não tiveram acesso regular a alimentos de qualidade durante a pandemia de Covid-19. 2021.


UNICEF. Estudo inédito do UNICEF aponta alto consumo de alimentos ultraprocessados em lares atendidos pelo Bolsa Família. 2021.


UNICEF. Impactos Primários e Secundários da Covid-19 em Crianças e Adolescentes. 2021.


VIGISAN.Insegurança Alimentar e Covid-19 no Brasil. 2021. http://olheparaafome.com.br/VIGISAN_Inseguranca_alimentar.pdf


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