A pandemia expôs a fraqueza dos sistemas alimentares com o crescimento da fome e da desnutrição, segundo a ONU quase um terço das mulheres em idade reprodutiva sofrem de anemia.
O fechamento das escolas devido ao risco de infecção pela Covid-19 sem uma medida eficiente para combater a insegurança alimentar, foi apontado também pela ONU como uma das causas da crise nutricional no mundo.
Antes da pandemia a anemia já era uma questão que afetava cerca de 25% da população mundial, essa condição clínica é caracterizada pela redução do número de células vermelhas e consequentemente, da capacidade de transportar oxigênio em quantidade suficiente para funcionamento adequado do organismo.
A etiologia pode ser genética (anemia falciforme e talassemias, por exemplo), relacionada à presença de outras doenças ou à fatores nutricionais como deficiência de ferro (anemia ferropriva) ou de vitamina B12 e folato (anemias megaloblásticas).
Dentre os tipos de anemia causados pela má nutrição, a deficiência de ferro é a etiologia mais comum. Mesmo sem anemia instalada, a deficiência de ferro está associada a um impacto negativo na saúde e aumenta o risco de mortalidade infantil, prejuízo cognitivo e corporal, reduzindo desempenho físico e capacidade de trabalho em adultos.
Com a diminuição do oxigênio que seria levado para os tecidos, alguns sintomas podem surgir: astenia (perda da força muscular), cansaço, fraqueza, sonolência, palpitações, falta de ar, cefaléia, síndrome das pernas inquietas, alopecia, pele e cabelos secos.
Em grávidas pode ocorrer episódios de compulsão por alimentos não nutritivos, como terra, argila, gelo, arroz cru, essa condição é chamada de picamalácia e a reposição de ferro faz parte do tratamento.
A anemia é a manifestação mais tardia de deficiência de ferro, por isso é indicado repor os estoques do mineral antes do diagnóstico dessa condição clínica. Os principais fatores que levam a deficiência de ferro são: má absorção do mineral (doença celíaca, ressecção gástrica ou intestinal, colonização por Helicobacter pylori, uso de inibidores de bomba de prótons); necessidade aumentada na gestação e infância; perda de sangue (cirurgias, perdas ginecológicas ou gastrointestinais por parasitas, úlceras, malignidade, aspirina ou antiinflamatórios não esteróides).
A doação de sangue também diminui os estoques de ferro, por isso é importante avaliar se a reserva do mineral está adequada no doador para que o mesmo não tenha deficiências nutricionais potencializadas na doação.
Apesar das variações de anemia e suas causas, há uma crença popular de que deficiências de ferro podem ser corrigidas comendo carne (em especial fígado bovino). A ciência afirma que esse é um grande mito, pois para corrigir deficiência de ferro através do consumo de carne seria necessário ingerir diariamente (por meses) 3,2 kg de filé mignon magro ou 1,1 kg de fígado bovino, quantidade claramente inviável para consumo e que poderia trazer diversas complicações nutricionais.
Independente se a causa da anemia é nutricional ou não, o tratamento deve sempre ser feito com suplementação de ferro de preferência associado à uma fonte de vitamina C para facilitar a absorção do mineral.
Caso seja acessível, o monitoramento dos estoques de ferro é importante para todos indivíduos, em especial gestantes e crianças, pois apresentam uma demanda maior devido ao crescimento acelerado nessas fases da vida.
A absorção de ferro aumenta de 3 a 4 vezes com consumo de 75 mg de Vitamina C, quantidade encontrada geralmente em uma unidade das seguintes frutas: acerola, caju, mexerica, goiaba, mamão, carambola, laranja ou pimentões, por isso vale a pena acrescentar esses alimentos nas refeições com alimentos ricos em ferro (carnes e leguminosas principalmente).
Fatores nutricionais que atrapalham a absorção de ferro são os taninos (presentes em chás e no café), o cálcio e os produtos derivados de laticínios, os polifenóis e fitatos, algumas proteínas animais (leite e ovos) e alguns micronutrientes, especialmente zinco e cobre. Recomenda-se evitar o consumo desses alimentos próximos às refeições ricas em ferro.
O ácido fítico é um antinutriente que pode ser reduzido a partir do remolho das leguminosas (feijões, grão de bico, lentilha, ervilha, entre outras) por no mínimo 8 horas antes do cozimento (descartando a água do remolho) para aumentar a absorção de ferro.
Na presença de condições inflamatórias a hepcidina é aumentada e a medula óssea fica desprovida de ferro para formação de hemoglobina, o que pode levar ao desenvolvimento da chamada anemia por doença crônica (comum em pacientes com HIV, neoplasias, artrite, entre outras doenças).
Sobre as anemias megaloblásticas, que são causadas pela deficiência de vitamina B12 e B9, o tratamento inclui reposição destes nutrientes via suplementação e alimentação.
É importante fazer a distinção entre anemias megaloblásticas por deficiência de B12 e de anemia perniciosa, na segunda o organismo cria anticorpos contra as células parietais, fator intrínseco que impossibilita a absorção de vitamina B12, gerando anemia por deficiência da mesma. O tratamento também é realizado com suplementação para esses pacientes.
Há diversas causas e tipos de anemia, independente se o indivíduo é vegetariano ou onívoro, em nenhum caso é indicada a correção da deficiência de ferro, folato ou B12 através do consumo de carne ou outro alimento, entretanto quando o consumo é inadequado e não há questões relacionadas à absorção dos nutrientes, após correção da deficiência com suplementação o consumo alimentar adequado pode prevenir novas carências. É importante o fortalecimento de políticas públicas para rastreamento e monitoramento das deficiências antes que as mesmas se tornem anemias e tragam prejuízos à saúde.
Nutricionista Valkiria Assis
CRN-3 71936/P
Referências
Cançado R.D. et al. Anemia de Doença Crônica. Rev.bras.hematol.hemoter. 2002,24(2):127-136
ONU. ONU: pandemia corta mais de 39 bilhões de merendas escolares gerando crise de nutrição. 2021. https://news.un.org/pt/story/2021/01/1739922
Slywitch, Eric. Guia de Nutrição Vegana para Adultos da União Vegetariana Internacional (IVU).
Departamento de Medicina e Nutrição. 1a edição, IVU, 2022.
UNICEF. Relatório da ONU: ano pandêmico marcado por aumento da fome no mundo. 2021.
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