A gestação é um período crucial de desenvolvimento da criança e cuidado da saúde da mulher, sendo um dos objetivos de desenvolvimento sustentável (ODS 3) da ONU a redução da mortalidade materna e infantil.
Em 2017, estimou-se que 22,2% das crianças do mundo menores de 5 anos apresentavam atraso no desenvolvimento, população concentrada principalmente em países asiáticos (55%) e africanos (39%).
Aproximadamente 800 milhões de mulheres e crianças têm anemia, uma condição estimada como causa de quase 9% da carga global de anos vividos com deficiência. Cerca de metade dos casos poderiam ser evitados com suplementação de ferro e outras estratégias nutricionais.
Comumente a deficiência de ferro é mais prevalente em gestantes, por sofrerem perda do mineral ao longo da idade reprodutiva através do sangue menstrual, assim como o aumento da necessidade desse micronutriente durante o período gestacional.
Além da anemia, o nanismo infantil continua a ser um problema de saúde pública mundial, que se inicia na gestação com o baixo crescimento intrauterino, podendo gerar diversas consequências negativas no crescimento físico e neurodesenvolvimento das crianças. Os principais efeitos são: infecções frequentes, prejuízos sensoriais, motores, cognitivos, de linguagem, socioemocionais, culturais e comportamentais.
Outra questão de saúde pública grave que envolve o grupo materno infantil são os defeitos do tubo neural, que são malformações que ocorrem na fase inicial do desenvolvimento fetal, levando à anencefalia e espinha bífida. Até o momento, a deficiência de ácido fólico é o maior fator de risco identificado.
Ao redor do mundo diversas estratégias são utilizadas para mitigar os riscos nutricionais à saúde da população materno infantil. O milho é um dos cereais mais consumidos e é cultivado na maior parte do globo. Vários países fortificaram a farinha de milho e outros alimentos derivados do milho com ferro e outras vitaminas e minerais para combater a anemia e a deficiência de ferro. Arroz e bebidas não lácteas também foram usadas como modelo de fortificação de nutrientes. Alguns estudos científicos relatam que é incerto se a fortificação de farinha de milho com ferro e outras vitaminas e minerais reduz o risco de anemia ou melhora a concentração de hemoglobina na população.
No Brasil em 2002 a ANVISA regulamentou a fortificação de farinhas de trigo e milho com ferro e ácido fólico (Resolução RDC nº 344, de 13 de dezembro de 2002). Os estudos dessa intervenção demonstraram impacto e reduções significativas na prevalência de defeitos do tubo neural, variando de 19 a 78%, configurando a fortificação de alimentos com ácido fólico uma intervenção inquestionável na prevenção primária.
A indicação de que a mulher tenha níveis adequados de ácido fólico ao menos um mês antes da gestação é facilitada através da fortificação de alimentos com esse micronutriente. Outros países como Chile, Canadá e Estados Unidos também têm programas de fortificação de ácido fólico em cereais.
Um estudo publicado em 2011 concluiu que houve melhora significativa no quadro de anemia após a fortificação das farinhas, o que sugere que a intervenção contribuiu no controle da deficiência de ferro, porém o estudo não permite atribuir tal resultado apenas à implantação dessa medida, que é colaborada pela suplementação de minerais e consumo frequente de fontes naturais de ferro através de alimentos.
Alguns especialistas brasileiros questionam que talvez apenas a fortificação de farinhas não seja suficiente, considerando a diversidade dos hábitos alimentares regionais.
Portanto, o cuidado nutricional com políticas públicas para fortificação de alimentos é uma estratégia de cuidado nutricional que auxilia na redução do risco de anemia, defeitos do tubo neural e na prevenção de nanismo infantil.
É importante intervir precocemente durante a gestação para melhorar os resultados do parto e combater o atraso no crescimento infantil. Isoladamente a fortificação de alimentos não é suficiente para manutenção de níveis adequados de minerais essenciais durante a gestação, necessitando estar associada a outras estratégias como suplementação de micronutrientes e alimentação rica em alimentos vegetais, naturais e integrais que contenham ferro em sua composição.
Nutricionista Valkiria Assis
CRN-3 71936/P
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