No mundo há cerca de 26 mil espécies de plantas que podem ser ingeridas por seres humanos, dados da década de 90 apontam que 150 a 200 espécies são consumidas em grande escala, sendo que somente 15 delas (arroz, trigo, milho, soja, sorgo, cevada, cana-de-açúcar, beterraba, feijão, amendoim, batata, batata-doce, mandioca, coco e banana) representam 90% do consumo mundial.
Com baixo incentivo da agricultura familiar e da proteção a comunidades tradicionais, a variedade alimentar tende a ser ainda menor devido ao aumento das monoculturas, a pressão sobre os biomas, o êxodo rural, a destruição ambiental, o avanço da globalização e a pressão da agricultura industrial das duas últimas décadas.
Nesse contexto, as plantas alimentícias não convencionais (PANCs) são alimentos ou parte deles que não são geralmente consumidos pela população e até vistos como pragas. São chamadas também de hortaliças tradicionais, remetendo a uma agricultura não industrial. As PANCs podem ser raízes, tubérculos, talos, folhas, brotos, flores e sementes. Elas apresentam vitaminas, minerais, fibras, compostos antioxidantes e nutracêuticos que têm sido alvo de estudos pelos benefícios que podem trazer à saúde, principalmente no tratamento e prevenção de doenças crônicas não transmissíveis como obesidade, diabetes e hipertensão.
São exemplos de plantas alimentícias não convencionais: beldroega, cambuquira, capuchinha, coração de bananeira, feijão-guandu, folha de batata-doce, jaca verde, ora-pro-nóbis, peixinho, taioba e tupinambo.
As PANCs podem podem ser consumidas em diferentes formas de preparo: cruas, cozidas, em bolos, tortas, caldos, etc. Podem ser encontradas em matas, plantações, feiras, jardins, feiras livres, hortas urbanas, sites de venda online, diretamente por agricultores familiares e até mesmo nos canteiros de ruas, já que as hortaliças nascem espontaneamente e são de fácil cultivo.
Comunidades tradicionais, principalmente quilombolas e indígenas, lutam pela demarcação de suas terras, valorização da biodiversidade e da agricultura familiar, com objetivo de garantir seus direitos e frear os avanços do agronegócio e do desmatamento para uso da pecuária.
As PANCs oferecem mais que benefícios nutricionais individuais, do ponto de vista produtivo, elas colaboram com a soberania alimentar por serem rústicas e de fácil cultivo (inclusive doméstico em pequenos espaços), não precisam de adubo, agrotóxicos e componentes geralmente utilizados em plantas convencionais, resultando em alimentos de alto valor nutricional, sendo uma das estratégias de combate à fome e redução do desperdício de alimentos por desconhecimento.
No quesito da sustentabilidade, o consumo de PANCs incentiva pequenos agricultores e promove diversidade agrícola. A redução dos agricultores familiares e comunidades tradicionais, faz com que o conjunto de saberes (cultivo, coleta, preparo, receitas) deixe de ser transmitido, com isso perdem-se valores que vão muito além da qualidade nutricional de um alimento.
Para conhecer mais sobre PANCs, composição nutricional e receitas de vários alimentos nativos da biodiversidade brasileira, há uma ferramenta chamada “Biodiversidade e Nutrição”, disponibilizadas pelo Sistema de Informação sobre a Biodiversidade Brasileira, uma plataforma on-line e gratuita que conta com a contribuição dos Ministérios do Meio Ambiente e da Ciência Tecnologia, Inovação e Comunicações e de outras instituições como universidades e institutos de pesquisa.
As PANCs são usadas na alta gastronomia e são inseridas em algumas escolas para oferta na merenda escolar. Em ambientes com pacientes enfermos, como é o caso de hospitais, é essencial que a alimentação tenha alta qualidade nutricional, as PANCs também devem ser utilizadas nesse contexto para promoção de uma dieta saudável, sustentável e sem agrotóxicos. O ebook “PANC – Hortaliças Tradicionais e Técnicas Culinárias na Nutrição Hospitalar” é um documento gratuito fruto de pesquisas do laboratório da Faculdade de Saúde Pública da USP, e é um exemplo da inclusão de PANCs na alimentação coletiva.
A biodiversidade brasileira com alto número de espécies permite que as PANCs sejam um instrumento para alcance da independência nutricional, gerando acesso à construção e fortalecimento de uma própria identidade gastronômica nacional não colonial.
A forma com que consumimos e produzimos alimentos é insustentável para a geração atual e ainda mais para as futuras, pesquisadores indicam que substituir o consumo de proteína animal por alimentos vegetais valorizando a sociobiodiversidade regional auxilia na conservação de biomas, que atualmente estão cada vez mais degradados e substituídos pela agropecuária e desertificação. É necessário e urgente fortalecer a criação e a manutenção de um sistema alimentar mais sustentável, nutritivo e biodiverso. O não consumo de PANCs restringe a experiência de descobrir novos sabores, além disso as perdas não são somente nutricionais e ambientais, mas com isso perde-se também cultura, tradição, memórias, vínculos e afeto.
Nutricionista Valkiria Assis
CRN-3 71936/P
Referências:
Jornal da USP. Plantas alimentícias não convencionais trazem benefícios à saúde. 2017. Disponível em:
Jornal da USP. Pesquisadores da USP ensinam como usar plantas alimentícias não convencionais na cozinha. 2021. Disponível em:
Jornal da USP. Guia gratuito ensina a usar plantas alimentícias não convencionais na nutrição hospitalar. 2021. Disponível em:
Silva, A. Você sabe o que são Plantas Alimentícias Não Convencionais? 2022. https://www.parquecientec.usp.br/publicacoes/voce-sabe-o-que-sao-plantas-alimenticias-nao-convencionais
Slater, Betzabeth; Barrios, Weruska Davi. PANC - Hortaliças Tradicionais e Técnicas Culinárias na Nutrição Hospitalar. / Betzabeth Slater, Weruska Davi Barrios. São Paulo: edição do autor, 2021, 111p.
USP. O que é panc? 2017. Disponível em:
Tuler AC, Peixoto AL & Silva NCB. Plantas alimentícias não convencionais (PANC) na comunidade rural de São José da Figueira, Durandé, Minas Gerais, Brasil. 2019. https://doi.org/10.1590/2175-7860201970077
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