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O nutricionismo e a obsessão por calorias

Foto do escritor: Valkiria AssisValkiria Assis


Nutricionismo é um termo que se refere a reduzir alimentos a nutrientes isolados, deixando de lado a importância da comida e do ato de comer como um todo.


Essa distorção sobre o que de fato é nutrição e saúde leva pessoas a crerem, inclusive em processos de emagrecimento saudável, que a única coisa que importa é ingerir menos calorias para atingir determinado déficit calórico e emagrecer.


Do ponto de vista biológico, quais as diferenças entre 50 kcal de bolacha recheada e 50 kcal de frutas por exemplo?


Uma das diferenças é o volume, produtos ultraprocessados geralmente tem alta densidade calórica, o que significa que concentram mais calorias em porções menores, com isso é fácil ingerir quantidades acima das necessidades energéticas, o que predispõe ao ganho de peso e desenvolvimento de doenças.


A indústria vende a ideia de que ao adicionar nutrientes a qualquer coisa, ela vira um alimento, e que quanto menos calorias esse alimento tem, mais saudável ele é.


Produtos processados podem ter menos calorias (refrigerantes zero cal, por exemplo) que alimentos in natura (sucos de fruta), o que vende a ideia de que é um produto “liberado” e que pode ser consumido com frequência.


A diferença entre um suco de fruta natural e um refrigerante (com ou sem açúcar), é que a segunda opção é um produto ultraprocessado, com aditivos alimentares e sem vitaminas, minerais, fibras e outras substâncias benéficas, que estão naturalmente presentes em alimentos in natura ou minimamente processados.


Quando consumidos em excesso, os aditivos alimentares podem gerar malefícios à saúde, como transtornos do déficit de atenção e hiperatividade (TDAH), neoplasias e hipersensibilidades alimentares manifestadas por urticária, dermatite atópica, púrpura, rinite, broncoespasmo, asma, cefaléia, dor abdominal, angioedema, vasculite e choque anafilático.


Adoçantes artificiais (sacarina, ciclamato, aspartame, sucralose e acessulfame-k) não contém calorias, seguindo a linha de raciocínio que alimentos com menos calorias são mais saudáveis, parte da população acredita que é adequado substituir o açúcar por adoçantes. Entretanto, não há estudos suficientes analisando o consumo desse tipo de produto a longo prazo em humanos. Evidências apontam que o consumo pode gerar alteração da microbiota intestinal, da função tireoidiana e dos hormônios, entre outros prejuízos. Por não haver um consenso sobre a segurança do uso, não é adequado trocar açúcar por adoçantes se não houver indicação de um profissional de saúde para tal.


Além do apelo às calorias, outra estratégia da indústria é destacar que um produto é saudável quando rico em antioxidantes. Estudos científicos apontam que há 64,27 vezes mais antioxidantes no reino vegetal do que no animal na mesma unidade de peso, portanto os antioxidantes estão presentes nas frutas, vegetais, cereais, leguminosas e alimentos que você encontraria numa horta. Não há marketing sobre os benefícios naturais e fitoquímicos dos itens de hortifruti, por exemplo, mas facilmente encontra-se nas gôndolas dos supermercados produtos com alegações de benefícios biológicos exclusivos “rico em betacaroteno", “rico em fibras”, “baixo em colesterol”.


Historicamente as pessoas comem por diversas razões e não só para atender necessidades biológicas. O nutricionismo é uma estratégia da indústria alimentícia que foca somente no âmbito biológico da alimentação, o que deixa as pessoas confusas e vulneráveis ao marketing de alimentos processados através de falsas alegações de saúde e prazer.


É comum encontrar profissionais e leigos reduzindo os alimentos a calorias, o que tende a ser problemático, induzindo pessoas ao consumo em excesso de alimentos pouco nutritivos, que quando baixos em calorias podem não levar ao ganho de peso, mas que não deixam de prejudicar à saúde física e contribuir com a ideia superficial de que um corpo magro é sempre saudável.


Além disso, com o aumento dos casos de obesidade e sobrepeso, discute-se a gordofobia, que é o preconceito que pessoas gordas sofrem pelo tamanho de seus corpos. Estar acima do peso não é sinónimo de doença, e mesmo para pessoas que estão adoecidas devido ao excesso de peso corporal, é essencial que esses indivíduos recebam igual respeito e acesso à saúde.


O prazer de comer não deve ser associado a culpa, a dicotomia entre alimentos saudáveis e não saudáveis, permitidos e proibidos, com mais ou menos calorias, faz com que as pessoas acreditem que comida saudável não pode ser nutritiva, e que comer salada (alimento permitido) é sinônimo de comida sem graça e sem prazer. Esse tipo de categorização de alimentos não promove mudanças no estilo de vida, nem torna as pessoas mais saudáveis, pelo contrário, os índices de adoecimento da população só aumentam.


Os seres humanos se alimentam por questões fisiológicas, culturais, sociais e emocionais. Comer é um ato que perpassa diversos contextos, é adequado assumir que todos os alimentos podem ter espaço em uma alimentação saudável, se respeitadas as questões de quantidade e frequência. Produtos processados não devem ser demonizados ou proibidos, se consumidos esporadicamente eles provavelmente não levarão ao adoecimento.


Entretanto, é necessário um debate franco sobre os danos coletivos trazidos pelo consumo excessivo de ultraprocessados, que envolve danosos impactos na saúde pública, no meio ambiente e nas sociedades. A indústria vem roubando hábitos culturais, colonizando afetividades e adoecendo a população, é problemático que alimentos afetivos não sejam mais um bolo de vó ou alguma receita tradicional de família, mas sim algum produto processado que não carrega uma história alimentar.


Alimentos não são vilões por serem hipercalóricos, assim como não são mais saudáveis somente por terem baixa densidade calórica. Para entender se é adequado consumir com frequência determinado alimento, são necessárias reflexões para além do número de calorias, basear a alimentação em comida in natura e minimamente processada conforme proposto pelo Guia Alimentar para população brasileira que é um referencial mundial de recomendações nutricionais, é uma boa forma de lidar com a alimentação sem se preocupar excessivamente com calorias.


Nutricionista Valkiria Assis

CRN-3 71936/P


Referências:

Alvarenga, M. et al. Nutrição Comportamental. 2 ed. Manole, 2019.

Brasil. Ministério da Saúde. Desmistificando dúvidas sobre alimentação e nutrição : material de apoio para profissionais de saúde / Ministério da Saúde, Universidade Federal de Minas Gerais. – Brasília : Ministério da Saúde, 2016. 164 p.


Slywitch, Eric. Guia de Nutrição Vegana para Adultos da União Vegetariana Internacional (IVU). Departamento de Medicina e Nutrição. 1a edição, IVU, 2022.


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